Lembra quando contei que estava lendo um livro que contava a sinistra relação entre os estúdios de cinema de Hollywood e os nazistas na década de 30?
A relação era tão estreita que um censor nazista, chamado Georg Gyssling, vivia nos Estados Unidos para facilitar seu trabalho de inspecionar a maior parte dos filmes feitos por Hollywood. Ele tinha passe livre para transitar entre os maiores estúdios (apenas a Warner, Columbia e a United Artists não tinham acordos e eram banidas da Alemanha) e suas medidas para editar os filmes eram tão radicais que vários atores, diretores e membros das produções recebiam cartas ameaçadoras quando decidiam participar de algum projeto que o desagradasse.
A Alemanha consistia em um dos maiores públicos dos filmes hollywodianos e os grandes estúdios não estavam dispostos a abrir mão desse mercado, mesmo que para isso eles se omitissem perante as diversas atitudes no mínimo imorais dos nazistas e até mesmo apagassem os judeus, figuras antes tão presentes (vale lembrar que o primeiro longa metragem falado da história, O Cantor de Jazz de 1927, contava a história de um homem judeu), de seus filmes.
Isso não quer dizer que nunca existiram tentativas de fazer filmes alertando sobre a ameaça nazista. Existiram várias, que foram devidamente aniquiladas pelos estúdios, pelos censores nazistas e pelo Código Hays (já falei sobre ele no site. Link no final do post).
O post de hoje conta sobre uma dessas histórias: um filme anti-nazismo de 1938 chamado “Personal History” (nome não traduzido para português), que seria estrelado por Henry Fonda e inicialmente dirigido por William Dieterle (A Vida de Emile Zola, 1937) e depois transferido para Alfred Hitchcock. Existem vários outros enredos de filmes não lançados interessantes, mas esse foi o que mais chamou minha atenção.
Vamos ao enredo de Personal History:
"Um estudante americano chamado Joe Sheridan larga seus estudos e vai trabalhar em um jornal na Espanha, onde se apaixona por uma mulher chamada Miriam. Os dois precisam correr para Berlim, visto que algo aconteceu com a mãe de Miriam.
Chegando à cidade, descobrem que a mulher havia se suicidado para não se render aos nazistas, visto que era uma alemã casada com um cirurgião judeu. A principal paciente do pai de Miriam é uma mulher ariana, Viktoria Von Rhein, esposa de um figurão nazista. O pai de Miriam está proibido de operar a mulher, mas os dois decidem correr o risco.
Enquanto isso, em sua passagem por Berlim, Joe não somente descobre como também registra o massacre dos judeus em fotos e vídeos. Agora declarado um anti-nazista, ele chega até a se envolver em uma missão para salvar crianças.
Antes de seu casamento com Miriam, porém, ela é presa por ser judia. Ao recorrer ao marido de Viktoria, Herr Von Rhein, os dois brigam pelo homem primeiramente se recusar a ajudar um prisioneiro judeu, mas Miriam acaba sendo solta e o casal e o pai de Miriam se mudam para a Áustria.
Logo após o acontecimento, Viktoria precisa ser internada às pressas, senão morrerá. A cirurgia corre bem, mas ela precisa de uma transfusão e somente Miriam pode doar sangue. Para tal, Viktoria finge ser judia.
Herr Von Rhein percebe o erro e aconselha Joe a voltar imediatamente para os Estados Unidos e dê um alerta sobre o que está acontecendo na Alemanha.
(Retirado do livro O Pacto entre Hollywood e o Nazismo, páginas 216-220)
De todos os enredos já feitos com temática anti-nazismo, Personal History era de longe o melhor. Bem escrito e envolvente, o roteiro enlouqueceu muita gente nos bastidores naquela época. Joseph Breen, administrador do Código Hays ficou com medo do que poderia acontecer e enviou o roteiro para o próprio criador do código, Will Hays. Após um bom tempo de análise, o filme foi adiado por tempo indeterminado por “”””problemas com o elenco””””, dias antes do começo das filmagens.
Dois anos depois, o roteiro, agora totalmente modificado, caiu nas mãos de um novo diretor: Alfred Hitchcock.
Personal History virou Correspondente Estrangeiro (1940), que apesar de também alertar os americanos sobre a guerra, tinha um enredo completamente diferente e não se assemelhava em nada com o original. O Holocausto sequer foi mencionado.
Cinco meses após o adiamento do filme, o editor do jornal Hollywood Spector fez uma carta gigantesca falando que Hollywood deveria abordar o tema nos filmes. Confira aqui um trecho da carta:
“O mundo hoje fica imaginando o que poderia ser feito. Façam um filme mostrando o que deveria ser feito. E tenham coragem para isso! Chamem as coisas pelos devidos nomes. Se Will Hays, pago para ficar em cima do muro, atrapalhar, tirem-no do caminho e sigam adiante. Façam um filme mostrando o que a Alemanha vem fazendo com os judeus, e depois mostrando o que o mundo deveria fazer com a Alemanha.” (pág 336)
O primeiro filme hollywoodiano a comentar que judeus “estavam com problemas” foi Era Uma Lua de Mel (1942), estrelado por Cary Grant e Ginger Rogers.
Agora os primeiros filmes hollywoodianos a abordar o tema do Holocausto foram O Diário de Anne Frank (1959) e O Julgamento de Nuremberg (1961), anos após o final da guerra.
Será que algo poderia ter sido diferente se Personal History e os vários outros filmes que mencionavam o tema simplesmente fossem lançados? Qual a sua opinião sobre o assunto?
Espero que tenham gostado!
Fonte:
- O Pacto entre Hollywood e o Nazismo – Como o Cinema Americano Colaborou com a Alemanha de Hitler, de Ben Urwand.
Para ler sobre os outros posts que eu já fiz sobre esse livro:
Quando os Nazistas perseguiram o Clark Gable:
Sem Novidade no Front – o filme que enfureceu a Alemanha Nazista:
Para ler o post que eu fiz sobre o Código Hays:
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