Toda pessoa, quando mais jovem, já ouviu pelo menos uma vez a frase “no meu tempo a coisa não era assim”, inclusive aplicado ao cinema.
Se você já assistiu a pelo menos um filme do período de 1930-1960 e um filme moderno, reparou algumas diferenças nos comportamentos dos personagens, certo?
Se a resposta foi sim, hoje eu te explico o motivo: durante esse período, o cinema hollywoodiano passava por um período de censura causado pelo Código Hays.
Para contextualizar, aqui vou contar um pedaço da história: no final dos anos 20, o cinema americano estava começando a se consagrar como o mais famoso do mundo, porém haviam escândalos constantes envolvendo as grandes estrelas da época, como Charlie Chaplin, Roscoe “Fatty” Arbuckle e Clara Bow, fazendo com que Hollywood ganhasse o título de “Cidade do Pecado”. Os produtores e chefes dos grandes estúdios estavam preocupados com a reputação do cinema e logo decidiram que a partir daquele momento, os filmes deveriam passar por uma “pré-censura” antes de serem exibidos. O advogado Will Hays foi o encarregado de criar as regras, que foram oficializadas em 1930. Na verdade elas nem foram muito obedecidas, até que em 1934, o ativista religioso Joseph Breen (que ganhou a alcunha de Hitler de Hollywood) passou a controlar a censura do cinema.
Como você pode imaginar, em 1934 a censura atingiu o ápice e passou a ser rigorosamente exigida nas produções e o desafio de retratar temas ousados durante os primeiros anos do cinema falado precisou ser tirado dos olhos do público.
Dentre os filmes feitos antes do endurecimento do Código Hays, os chamados filmes pre-code temos:
Filmes sobre mulheres que foram traídas e podiam tranquilamente se vingar dos maridos, como Norma Shearer em A Divorciada (1930).
Mulheres em um relacionamento com dois homens ao mesmo tempo, como Miriam Hopkins, Gary Cooper e Frederic March em Sócios no Amor (1933).
Mulheres manipuladoras que usavam sexo para subir na vida, como Barbara Stanwyck em Serpentes de Luxo (1933)
Gangsteres que eram praticamente heróis, como James Cagney em Inimigo Público (1931)
Uma Mae West afiadíssima cheia de frases de duplo sentido, como em Santa Não Sou (1933).
E filmes que abordavam explicitamente temas como estupro e sequestro, como Miriam Hopkins em Levada à Força (1933)
Agora, pós code, foram criadas duas listas, chamadas de “Don’t” e “Be Careful”, que traduzindo, seria “não” e “sejam cuidadoso”.
Na lista do “Don’t”, ou seja, não faça , estavam os temas:
- Palavras de cunho religioso sem estar em uma cerimônia religiosa.
- Palavras vulgares.
- Nudez explícita ou em silhueta.
- Perversões sexuais.
- Tráfico ilegal de drogas.
- Escravidão branca.
- Miscigenação.
- DST’s.
- Partos.
- Órgãos sexuais de crianças.
- Ridicularizar o clero.
- Ofensa a qualquer nação.
Na lista do “Be Careful”, os temas que precisavam de cuidado, estavam:
- Uso da bandeira.
- Relações Internacionais.
- Incêndios criminosos.
- Descrições muito detalhadas de qualquer crime.
- Brutalidade.
- Assassinato.
- Contrabando.
- Tortura.
- Enforcamento.
- Simpatia por criminosos.
- Desafiar instituições ou pessoas públicas.
- Sedução.
- Crueldade com crianças e animais.
- Marcar a ferro pessoas ou animais.
- Vender mulheres.
- Estupro e tentativa de estupro.
- Consumação do casamento.
- Homem e mulher na mesma cama.
- A instituição do casamento.
- Cirurgia.
- Uso de drogas.
- Policiais.
- Beijos excessivos.
Existem vários casos marcantes envolvendo o Código.
A intromissão (desculpem, mas não há outra palavra mais adequada) mais famosa aconteceu em um dos maiores clássicos de todos os tempos, Casablanca (1942). Toda e qualquer insinuação que Rick e Ilsa tiveram relações sexuais precisaram ser retiradas do filme, visto que ela era casada com outro personagem. Alguns críticos de cinema acreditam que o final do longa-metragem depois desses cortes não poderia ser outro, acabando com qualquer chance dos dois terem terminados juntos.
O filme Duelo ao Sol (1946) também precisou ser editado segundo as regras do Código e mesmo assim foi censurado em alguns estados americanos por ser considerado “obsceno”.
A primeira grande afronta ao Código ocorreu em 1946, quando o diretor Howard Hughes se recusou a retirar as cenas com os closes nos seios da atriz Jane Russell no filme O Proscrito (1946) e para divulgar o filme, ainda criou várias peças publicitárias divulgando o que Joseph Breen queria esconder.
Quem também não tinha medo de afrontar o Código era Alfred Hitchcock. No filme Interlúdio (1946), para que as cenas de beijo entre Cary Grant e Ingrid Bergman não fossem cortadas, ele intercalou pequenas falas, fazendo uma cena amorosa de mais de três minutos.
No filme Ladrão de Casaca (1955), a personagem de Grace Kelly faz algumas piadinhas de duplo sentido, como na cena do piquenique quando ela pergunta ao personagem de Cary Grant se ele preferia peito ou coxa. Apesar de estar se referindo a pedaços de frango, muita gente considerou a piada "ousada".
Marilyn Monroe deve ter sido um pesadelo para os censores da época. Sensual, com roupas provocativas e sem medo de fazer cenas ou silhuetas que insinuavam nudez, como em O Pecado Mora ao Lado (1955). Existe também uma cena perdida de seu último filme completo, Os Desajustados (1961) em que ela apareceria totalmente nua, porém foi cortada na edição final.
Se Meu Apartamento Falasse (1960) também enfrentou o Código, ao contar a história de um funcionário de uma empresa que cedia seu apartamento para que seus chefes levassem as amantes.
O Código Hays começou a enfraquecer na metade dos anos 50 e desapareceu totalmente em 1966. O primeiro filme impactante a ser lançado após o final da censura foi Bonnie e Clyde (1967), dando início a uma fase chamada de Nova Hollywood, em que os atores, diretores e produtores agora eram mais livres.
Fico pensando, como será que seriam os filmes lançados entre 1934-1966 se o Código não existisse? Será que eles seriam mais ousados ou ainda seriam mais conservadores?
Espero que tenham gostado!
Fontes –
Super Interessante - https://super.abril.com.br/mundo-estranho/e-verdade-que-existia-censura-em-hollywood/
Blog Os Anos Perdidos - http://www.blogosanosperdidos.com.br/2020/02/miriam-hopkins-em-levada-forca-story-of.html?fbclid=IwAR2_VHQ272pCPDyRCLLQIGhNieCvVZQNCxC2gWUrOPbovptBqTCLGIBI84s
Cinema em Cadernos - https://cinemaemcadernos.wordpress.com/2015/01/21/codigo-hays/
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